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Ação cobra R$ 500 milhões de bets e bloqueio de CPFs do Bolsa Família

Divulgação

Duas entidades ligadas à defesa de direitos de populações vulneráveis acionaram a Justiça Federal de São Paulo para que empresas de apostas online sejam obrigadas abloquear o acesso de beneficiários do Bolsa Família às suas plataformas. A ação civil pública, com pedido de tutela de urgência, é movida pela Educafro Brasil e pelo Centro de Defesa da Criança e do Adolescente Mônica Paião Trevisan, que também pedem à União medidas concretas para evitar o desvio de verbas públicas para o setor de jogos.

Segundo estudo do Banco Central citado na ação, cerca de 5 milhões de beneficiários do Bolsa Família transferiram R$ 3 bilhões via Pix para casas de apostas apenas em agosto de 2024.

Fome e pobreza

A petição, protocolada na última quarta-feira (22), tem como alvos a União, o Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR) e dez empresas de apostas: Bet365, Betano, Betfair, Sportingbet, EstrelaBet, KTO, Superbet, VBET, Novibet e Betnacional. Elas são acusadas de não adotar nenhuma medida para impedir o acesso de famílias cadastradas no CadÚnico e, com isso, se beneficiarem de recursos destinados ao combate à fome e à pobreza.

As duas entidades pedem na Justiça a condenação das empresas e do IBJR ao pagamento de R$ 500 milhões por danos morais coletivos, valor que deverá ser destinado ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (FDD) ou a projetos e políticas públicas voltados à prevenção ao vício em jogos, à proteção de famílias em situação de vulnerabilidade e à promoção da segurança alimentar. Solicitam, ainda, a devolução integral, ao Ministério do Desenvolvimento Social, dos valores obtidos pelas empresas desde dezembro de 2024 por meio de transações realizadas com CPFs inscritos no CadÚnico.

De acordo com o levantamento do Banco Central, o valor médio gasto por beneficiários do Bolsa Família, em agosto, foi de R$ 100, ou seja, 15% do benefício médio de R$ 682 por família. Ainda de acordo com a pesquisa, 70% dos apostadores eram os próprios responsáveis legais pelas famílias cadastradas.

O fenômeno, segundo as entidades, não é pontual. Um levantamento da Confederação Nacional do Comércio (CNC) apontou que o comércio varejista perdeu R$ 103 bilhões em faturamento ao longo de 2024 por causa do redirecionamento de recursos para as apostas online. O mesmo estudo estima que esse desvio tenha contribuído para a perda de 420 mil postos de trabalho e R$ 18,5 bilhões em arrecadação tributária.

A ação cita pesquisas do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan), da Fundação Getúlio Vargas (FGV), do Instituto de Defesa de Consumidores (Idec) e da Associação Brasileira de Psiquiatria para demonstrar o agravamento da vulnerabilidade social de famílias pobres e os impactos diretos sobre crianças e adolescentes. Dentre os efeitos observados estão aumento da evasão escolar, redução de gastos com alimentação e saúde, comprometimento da renda familiar, surgimento de comportamentos compulsivos e agravamento de quadros de ansiedade e depressão.

Um dos dados mais preocupantes apresentados é que 68% dos beneficiários do Bolsa Família que fazem apostas online apresentam sintomas de ludopatia transtorno de jogo patológico e que 78% deles foram influenciados por publicidade das casas de apostas.

Omissão do poder público

Apesar de decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e de alertas do Tribunal de Contas da União (TCU), a União ainda não adotou medidas efetivas para coibir o acesso de famílias do CadÚnico às plataformas de apostas, segundo os autores da ação. Eles defendem que é possível tecnicamente bloquear os CPFs desses usuários com cruzamento de dados, sem ferir a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), bastando que os operadores de jogos implementem filtros de exclusão automatizada.